quarta-feira, 15 de julho de 2015

As contas da Sonangol

O relatório de contas de 2014 da Sonangol (não se deixar desmoralizar pelo «Março 2014» que é uma «gaffe» útil, o documento acaba de ser publicado). Há certas coisas no mínimo curiosas, como o facto de o custo das matérias-primas, subsidiárias e de consumo, ter mais que triplicado em relação ao ano de 2013, ou os rendimentos de participações financeiras que desapareceram (reaparecendo como reposição de provisões?)... Mas não é isso que nos ocupa. A Sonangol declara, no último ponto do documento: «A Sonangol EP assume-se como o garante de um financiamento externo da República de Angola junto de instituições financeiras internacionais num montante de 4500 milhões de dólares. Estas garantias são efectivadas pela consignação de carregamentos/vendas de petróleo bruto, conforme as cláusulas contratuais.»

Consultando as condições associadas, descobre-se que o total perfaz 5500 milhões de dólares e não os referidos 4500. «Pequena» incongruência de mil milhões de dólares que escapou aos analistas internos. 3500 milhões pelo Standard Chartered Bank e 2000 milhões, concedidos pelo China Development Bank. Destinando-se a um rolamento da dívida, o facto é que houve um acréscimo de 300 000 milhões de kwanzas no endividamento não corrente, digamos 3000 milhões de dólares.

Dada a notória descapitalização da empresa perante o cenário de um nivelamento por baixo da cotação do petróleo, a banca internacional exigiu, para além da consignação das receitas do petróleo, o respeito por alguns rácios financeiros, nomeadamente (ver página 110): que a situação líquida da empresa não baixe dos 1,2 biliões de kwanzas (aproximadamente o nível a 31 de Dezembro); o rácio EBITDA / Dívida líquida não deverá ser inferior a 0,5 (o famoso «63%»); o rácio EBITDA / Serviço da dívida não deverá ser inferior a 1,3; etc.

Apresento uma pequena tabela resumida, associando grosseiramente a cotação do petróleo ao lucro da Sonangol, em milhares de milhões de kwanzas («esquecer» o câmbio e não pensar que o facto de inscrever mais kwanzas por dólar vai mudar alguma coisa, pois será preciso reembolsar em dólares).


O modelo foi ajustado para justificar a quebra do lucro, de cerca de 300 000 milhões em 2013, para 139 000 milhões em 2014. Só se pode justificar tal quebra (considerando grosso modo o volume de produção inalterado) calculando o custo de produção a cerca de $85 por barril. Ou seja, a $70 o barril (pela estrutura de custos de 2014), a Sonangol perde tanto por mês quanto ganhava em 2013. Projectando tal chave para o primeiro semestre de 2015 (e a situação piorou, nestes últimos quinze dias), rapidamente se chega à conclusão de que em meio ano a Sonangol já perdeu mais do que ganhou ao longo de todo o ano de 2013. Ou seja: a situação líquida da empresa está, findos estes primeiros seis meses do ano, a 3/4 das recentes exigências dos credores; os rácios não só desceram do estipulado, como passaram rapidamente pelo zero e são agora negativos.

KO técnico é pouco. Morte súbita parece mais adequado.

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