sexta-feira, 5 de junho de 2015

Carta aberta a José Eduardo dos Santos

«Senhor JES, inicio esta carta com as mesmas dificuldades que sempre tive em tratar-lhe como presidente da república. Tudo isto porque não conheço um único compatriota meu que o tenha legitimado uma única vez, para o cargo que o senhor ocupa abusivamente há mais de 35 anos. E também porque não reconheço no senhor qualidades exemplares para o tratar como presidente da república, dado o alto significado que esta palavra tem para mim. Através desta carta quero-lhe dizer também que cada vez que leio um discurso do senhor, chego quase sempre à mesma conclusão. E acho que ainda bem que a maioria dos angolanos não leva muito a sério as suas palavras que, repito; não têm passado de palavras ao vento. E é lamentável que o senhor não saiba aproveitar as tantas oportunidades que tem tido para se desculpar perante o povo angolano. Pelo sofrimento que tem causado, desde que o senhor e seu bando de bajuladores, incluindo o seu clube de amigos (MPLA), se transformaram em novos colonizadores. Ao implantar em Angola um regime baseado no assassinato, na mentira, prisões, perseguições, humilhação, intolerância, mortes, e uma corrupção cada vez mais assustadora chefiada pelo senhor. Aproveito para lhe perguntar como é que um mau carácter e corrupto do tamanho do senhor, tido como responsável pela grande disparidade, que aumenta cada vez mais entre os tantos pobres da minha terra e os poucos ricaços (na sua maioria seus familiares e amigos). Como pode ter um descaramento tal? Ser tão arrojado ao ponto de se dar ao luxo de pensar que pode dispensar-nos? Pelo contrário, deveria convidar, desafiando-nos para uma reflexão conjunta sobre várias questões que jamais serão prioridade do regime sob sua gestão... Porque a ordem, como tudo indica, é para roubar o mais rápido possível, perseguir, prender e matar tudo quanto seja contra. Ou será que o senhor perdeu noção do que diz, quando afirma que isto é normal, compreensível : isso é comportamento próprio de corruptos, ou então quem lhe escreveu o discurso não lhe foi bem explicito. É caso para repetir! Ainda bem que os angolanos nunca levaram muito a sério os discursos feitos pelo senhor que não têm passado de palavras ao vento. E é exactamente com este tipo de discurso que JES tem procurado esconder sempre o seu verdadeiro rosto evitando falar-nos dos seus assaltos aos cofres públicos. Da maldade que institucionalizou no país e porque razão nunca condenou uma única vez um corrupto ou assassino, e nunca repudiou qualquer assassinato de um seu adversário politico. Mas também com que moral poderia um presidente de um país, responsável pela falta de tolerância, fome, miséria e morte de tantas crianças, convidar essa mesma nação para uma reflexão? Quando esses males todos que essa nação vive são consequência directa dos actos praticados por este mesmo presidente e pessoas que o rodeiam? Senhor JES, aproveito dizer-lhe que os angolanos têm esperança e confiança sim num futuro melhor que passa pela alternância do poder. E que estão cansados de tanta demagogia falaciosa do senhor, e da colonização de bajuladores que chegam a considerá-lo como figura do ano. Apenas porque a sua estadia no poder garante a estabilidade financeira e o aumento de contas em bancos estrangeiros de toda essa corja que militantemente segue os maus exemplos do senhor e sua família. Também gostaria que soubesse que os angolanos igualmente ainda não perderam as esperanças e confiança em qualquer dia honrar os nomes de todas as vitimas do senhor e seu regime brutal. Pessoalmente não defino como presidente de uma república um homem com tão mau carácter como o senhor, que institucionalizou inclusive a maldade para satisfação das suas necessidades, negócios em nome dos seus filhos e para agradar a alguns estrangeiros que por enquanto o vão mimando. A nossa história nos ensina sim que nunca os angolanos viveram assim tão humilhados na sua própria terra e foram tratados piores que os cães de alguns semi-analfabetos que nunca se imaginaram um dia no banco dos réus. Se o senhor demagogicamente considera legítimo que cada angolano alcance um nível de vida digno, porque razão os manda arbitrariamente prender? E não raramente, até matar, professores, policias, bombeiros, antigos combatentes, jovens, funcionários públicos e outros, quando esses reivindicam os seus legítimos direitos? O senhor disse numa das suas passagens que com determinação, coragem, firmeza e grande vontade de vencer, os angolanos conquistariam a independência e a paz. Será que o senhor está lúcido do que diz ou o mandaram dizer? Será que paz para o senhor significa aprisionar até os tantos cadáveres e vitimas do seu regime que se recusa a entregar aos seus entes queridos para que sejam condignamente enterrados? Será que paz significa matar, mandar matar e deixar matar quem é da UNITA, FLEC, BD, PROTECTORADO, apenas porque não concordam com o senhor e o querem ver fora do poder? Se é legitimo que ninguém cruze seus braços porque se dão ao luxo de criarem uma espécie de esquadrão da morte e são treinados para torturarem? Sinceramente só me resta defini-lo como um dos piores demagogos que já conheci na minha vida, desde que nasci, há mais de 50 anos. Não posso definir como presidente da república alguém que não garante a estabilidade no meu pais, porque é falso, populista e mentiroso. Alguém que usa e abusa das leis constitucionais para tirar proveito próprio e partidário, que teme deixar o poder para não perder imunidade e ser forçado a prestar contas pelos crimes cometidos. Alguém que não tem consciência limpa não se pode sentir à vontade para punir com justiça os corruptos e os assassinos, nem condenar o vandalismo, o servilismo e a intolerância, qualquer que seja. Alguém que não utiliza critérios legais para fazer nomeações de figuras como ministros, Presidente do Supremo Tribunal, diplomatas, presidente da CNE. Presidente da república para mim tem que ser um homem livre, capaz de se comunicar com todos os angolanos sem olhar se são da UNITA / BD / FNLA, se são mulatos, pretos, brancos, sulanos, cabindas ou lundas, ou se são de origem cubana, chinesa, caboverdiana, santomense, portuguesa, sul-africana, acreditando ou não nas suas palavras. Nunca ouvi, uma única vez sequer, o senhor condenar um qualquer acto de agressão física ou moral contra os seus adversários políticos... como posso considerá-lo presidente da república? Se, quanto se sabe, o senhor odeia os antigos combatentes que foram da UNITA, FNLA e inclusive seus próprios camaradas que pertencem à linha do Marcolino Moco. E alguns têm desaparecido para sempre de forma estranha e duvidosa, enquanto suspeitos de saberem tanta coisa, que poderiam servir de trunfo para os considerados inimigos do regime. Sinceramente, fico pasmado como é que ainda há angolanos que se declaram aberta e publicamente como estando ao lado e partilhando das ideias do senhor. Como democrata devo aceitar isto? Mais : não me vou esforçar para perceber até aonde chegará a bajulação em Angola e qual o tamanho da falta de vergonha de certa gente. Numa linguagem simples, quero dizer : num país onde quase tudo é perverso, nada mais reina do que essa mesma perversidade.»

Esta carta (inserida nos comentários a este artigo), enviada de Berlim por Jaime Osvaldo Armando da Cunha, embora pareça actual, é de Janeiro do ano passado. Muitas coisas soam a premonitórias, demonstrando à saciedade que a eternização do regime, a falta de alternância, só poderão exacerbar cada vez mais o actual estado de coisas, piorando as condições de vida de todos os angolanos e de todas as angolanas. 

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