quarta-feira, 21 de maio de 2014

Gaiola dourada

O povo guineense condenou o arguido José Mário Vaz a cinco anos de reclusão no Palácio Presidencial.

Note-se que o futuro Presidente não poderá sair do país sem autorização prévia do Tribunal, por imposição prévia à sua candidatura e tomada de posse.

A Constituição é omissa quanto ao caso de um candidato transportar pendências judiciais, referindo-se apenas aos crimes contemporâneos do mandato. Transcreve-se o artigo relevante na Constituição:

Artigo 72°
1 - Pelos crimes cometidos no exercício das suas funções o Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal de Justiça.
2 - Compete à Assembleia Nacional Popular requerer ao Procurador-Geral da República a promoção da acção penal contra o Presidente da República sob proposta de um terço e aprovação de dois terços dos deputados em efectividade de funções (junta-se gráfico para ajudar a fazer as contas: é necessário juntar à oposição 21 deputados do PAIGC para reunir 2/3 do Parlamento).
3 - A condenação do Presidente da República implica a destituição do cargo e a impossibilidade da sua reeleição.
4 - Pelos crimes cometidos fora do exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante os tribunais comuns, findo o seu mandato.

Interessam especialmente para o caso o segundo e terceiro pontos. O ponto 4 não pode ser entendido a favor do arguido, pois é óbvia a intenção do legislador, ao longo da redacção de todo o artigo, pressupondo uma referência aos crimes no exercício do mandato «actual» (distinguindo entre serem ou não no exercício de funções) e não a crimes prévios, herdados do seu estatuto de simples cidadão. Sendo a Constituição omissa quanto ao caso de crimes anteriores, mantém-se a obrigação do cidadão perante o Tribunal que o condenou a essa medida, independentemente do seu novo estatuto, e da dignidade de que se deve revestir a referida função.

As elites políticas e o eleitorado guineense têm revelado, ao longo de várias eleições, a sua malapata, sob a capa de «voto útil», acabando sempre por encaminhar para a segunda volta os piores candidatos, reduzindo as opções ao mal menor, num eterno jogo da minimização de ódios que acaba invariavelmente por se tornar no inevitável beco sem saída do «venha o diabo e escolha». Resultado expectável: mais do mesmo: a fragilidade intrínseca ao nível da legitimidade dos órgãos de soberania; o adiamento do país por mais uns anos?

3 comentários:

Anónimo disse...

Análise perfeita meu caro!

Anónimo disse...

Uma leitura bem enquadrada de momento. Mas só um reparo, os 21 parlamentares que constituem a oposiçao interna no PAIGC, pertencem ao bloco Braima Camara, o principal apoiante do agora Presidente eleito. Mas, como na política nada é estático, a vamos

7ze disse...

Atenção à leitura do gráfico: aquela divisão é artificial, foi inventada por mim, não corresponde a nada nem a nenhuma ala, visa apenas mostrar, de forma colorida, quantas deserções seriam necessárias desse lado (presumindo a coesão da oposição) para obter os dois terços. Para decisões correntes, tomadas por metade dos deputados, bastam meia dúzia dos deputados do PAIGC passarem-se para o «inimigo»...